
Foi tudo um jogo de cena. Na quinta-feira, 6, o presidente Bolsonaro fingiu que bateria de frente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e aprovaria o projeto de lei que abriria uma renegociação de dívidas (Refis) com empresas do Simples Nacional e MEIs (microempreendedores individuais).
Bolsonaro até deixou ‘vazar’ ainda na quinta-feira uma fala dizendo que aprovaria o projeto relatado pelo deputado mogiano, Marco Bertaiolli (PSD).
Mas nesta sexta-feira, 7, o presidente foi o Bolsonaro que todos conhecem (ou deviam conhecer) e vetou integralmente o projeto.
O argumento do governo bancado pela imprensa governista é que a jurisprudência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) é controversa sobre o tema, e a equipe jurídica aconselhou o presidente a não arriscar ficar inelegível no ano em que buscará novo mandato.
O veto, porém, causou irritação no Congresso Nacional, que já articula a sua derrubada.
Oficialmente, a justificativa do governo para barrar a lei foi a ausência de previsão da renúncia fiscal no Orçamento de 2022, bem como de medidas de compensação – como aumento de tributos. Trata-se de uma exigência da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O Ministério da Economia de fato apontou esses obstáculos técnicos, mas Bolsonaro chegou a sinalizar em sua live que buscaria uma solução para o impasse fiscal.
Os técnicos da área econômica apontaram as saídas para compensar a renúncia, que seria de apenas R$ 200 milhões em 2022 com a adoção de um veto parcial, para excluir apenas empresas que tiveram ganho de faturamento mesmo com a crise.
Na última hora, porém, o presidente foi advertido do risco de violar a lei eleitoral, segundo relataram à reportagem interlocutores do Palácio do Planalto e do Ministério da Economia.
O parágrafo 10º do artigo 73 da lei diz que, no ano das eleições, é proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto em casos de calamidade, emergência ou de programas que já estejam em execução.
O entendimento da área jurídica do governo foi o de que a implementação de um novo Refis em ano eleitoral poderia se enquadrar no dispositivo, abrindo margem a questionamentos legais.
Na visão de fontes do governo, caso a tese prevaleça, isso poderia inviabilizar até mesmo o Refis de grandes empresas, que ainda será apreciado pelo Congresso Nacional neste ano.
O que pesou de fato na decisão do presidente de ‘furar o olho’ do deputado Bertaiolli foi à discussão eleitoral.
A avaliação nos bastidores é que o melhor seria adotar uma postura conservadora, para evitar dor de cabeça futura. Apesar disso, o tema não é consenso sequer entre os técnicos do governo.
Parlamentares apontam que o governo teve participação na elaboração do projeto e também ao longo da tramitação.
A proposta é de autoria do senador Jorginho Mello (PL-SC), que é vice-líder do governo no Congresso.
O relator do projeto no Senado foi o então líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) –que deixou o posto em dezembro.
Lideranças do governo afirmam que o presidente se viu obrigado a vetar a proposta, mas que há espaço para negociar uma solução que beneficie essas empresas.
A iniciativa para a derrubada começou ainda nesta sexta-feira, 7, instantes após o veto. Uma liderança partidária governista aponta que houve uma “lambança” por parte do governo, que teria deixado de sancionar o projeto de lei até 31 de dezembro, o que evitaria o temor de crime eleitoral.
Mesmo trabalhando pela derrubada do veto, os parlamentares apontam que ele pode ser tardio, uma vez que aconteceria apenas após o fim do recesso parlamentar, em fevereiro.
Eles apontam que o prazo para empresas optarem pelo regime do Simples Nacional termina em 31 de janeiro, e muitas não poderão fazer a opção por terem débitos tributários.
“O governo inicia o ano com uma ducha de água gelada nas pequenas e médias empresas, condenando milhares ao fechamento agora no dia 30 de janeiro”, afirma o deputado federal Marco Bertaiolli (PSD-SP), que foi relator do projeto na Câmara dos Deputados e é coordenador-geral da Frente Parlamentar do Empreendedorismo.
“Trata-se de um projeto aprovado em sintonia com o governo, com a equipe econômica. É inadmissível romper um acordo feito em dezembro e propor esse veto integral”, completou.
Interlocutores no Ministério da Economia afirmam que uma possível solução para amenizar os efeitos do veto é prorrogar o prazo para a inscrição do pedido de parcelamento de dívidas, para evitar que as devedoras sejam excluídas do Simples.
Um prazo maior, auxiliares falam em 30 de maio, daria tempo para que Congresso e o governo tentassem encontrar uma saída para o imbróglio criado.
Caso o Congresso derrube o veto, fontes da área econômica afirmam que será necessário compensar o impacto do projeto.
A renúncia total é estimada em R$ 600 milhões, considerando o restabelecimento do texto integral. Ainda não há consenso sobre como ficaria a questão eleitoral.